Cinco poemas
de Ivo Pereira do livro A cabeça fria do cometa azul (1980/1990)
Frases
soltas
Sou um desses poetas
para todos e para
ninguém.
Há muito mais mistério
entre eu e você
do que entre você e a
lua.
Amar é lamber
o queijo azedo da amada
e sugar delirantemente
as pétalas da flor
aberta.
A asa de todos os meus
voos
é a liberdade de meu
povo.
Se algum dia
alguém perguntar por
mim
diz que fui uma pessoa
muito feliz
Muitas pessoas
tiveram a oportunidade
de me amar
e as que não fizeram
isso,
não perderam muita
coisa não.
O poeta tem a obrigação
de expressa
todos os sentimentos
possíveis.
Ele tem uma necessidade
urgente
de reter o impossível.
Confesso que não vivi
eu passei a vida
inteira
fugindo de um afago,
de um abraço,
da amizade,
do amor,
de Deus,
de tudo,
acho que agora
é hora de assumir a
vida.
Um quadro de verão
O amarelo do trigo
confunde o raio do sol.
O azul do céu
reflete
os olhos dos versos.
Uma árvore na solidão
do campo:
uma pintura
impressionista
na tessitura de cores e
flores.
Nasce imagens puras
na ponta dos dedos.
Uma moça na paisagem
com uma sombrinha
aberta
Pingo de tinta
no pincel borrado do
pintor.
Namorados abraçam a
solidão.
Um corvo voa com gritos
buscando o resto
de semente no chão.
A paisagem pintada
faz van Gogh renascer
nas asas transparentes
da poesia.
Lágrimas barrentas
“Vale, vida, verde,
verso e viola”,
canta o violeiro
nos encontros e
festivais
pelas estradas
vermelhas.
Vale o rio de areia
branca,
quanta dor
Jequitinhonha.
O tropeiro
com entulhos de
tralhas,
o berrante solitário
chamando a boiada.
A canção da terra,
a poeira nos olhos
cansados,
sem ouro e nem
diamante,
gente sofrida
na vida
no tempo
e na história.
O rio chora
águas sujas,
a chuva não cai
nos montes sem árvores,
a sede sufoca
a goela vazia,
lágrimas barrentas
na alma do povo.
A fascinação da cor
O interior do poeta
tem uma cor,
uma visão surreal.
A cueca zorba
tem a marca do homem
magricelo
só século XX.
Abstrato é o meio da
meia
no mesmo tom do conga
encardido.
A calça jeans
desbotada,
com tessituras
desgastadas pelo tempo.
A cor é a cor da cor
da camiseta batida
que o poeta usou na
juventude.
A tinta é a tinta da
tinta
e a tinta é a vida da
cor.
O quarto escuro
não tem a mesma cor da
poesia
e nem o impressionante
olhos do céu
na imensidão do
infinito.
O cristal tem o brilho
de suas retinas
É o brilho dos olhos
da musa
quando mirram a lua no
infinito.
O momento irradia um
raio
que reflete a cor
interior,
o interior tem cor,
mas é preciso ter
olhos
para perceber as coisas
etéreas.
A cor invade o mundo
e o mundo fica mais
belo.
As nuvens formas
figuras
na imaginação do
porta
e o branco rouba a paz
do céu.
As árvores pintam a
natureza de esperança.
O verde rouba a
essência do branco.
Cores frias de um poema
solto na pintura.
O poema refletido na
ansiedade da cor
vem suavemente
na cauda de um cometa
azul.