quarta-feira, 14 de maio de 2014

Paisagens com canarinhos
a Manoel de Barros



Herdou terras
com alqueires
de encantamentos
com o tempo
comprou o ócio
numa venda alagada de versos
intitulou-se
poeta nas horas vagas
carrega óculos na cara de sol
lápis na orelha da noite
e bloquinhos de papel
nos dedos magros dos olhos
pra desenhar poesia
elaboradas pacientemente
nos momentos de fantasia
na língua de traduzir sonhos
mas naquele dia
que enraizou a alma
e devorou a manhã
ele havia captado
a poesia do mundo
na artesania poética
do todo
poeta não é um ser inútil
pelo menos ele transforma
transborda
a vida em poesia
sempre foi menino
tico-tico
gavião
socó
ave-profeta
azulão
no cafundó do sertão
e de medo dos olhos da noite
se escondia nos mistérios dos passarinhos
poeta tem segredos com asas
poemas rupestres
encravados no peito
versos alados
soltos na paisagem
passa ninhos
porta sonhos
pé de mato
mão da tarde
olhos de noite
sorriso de lua cheia
é tão belo quanto o de uma criança
com estrelas no rosto
conversas com bichos
na dança das cores
paisagens com canarinhos
ao entardecer.



Ivo Pereira

Do livro de poemas A percepção das coisas

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