quarta-feira, 14 de maio de 2014

Nova York sobre o Tijuco



Planeja realmente ir embora do lugar, pois tem sede de outras terras, outros rumos. Buscar sonhos, vasculhar mundos, abandonar o rio e sua Califórnia sertaneja. A cidade cheira a esterco e solidão. O curral dos pradas sufoca sua vida, sua alma, seus planos, seu futuro. Vive no meio dos pastos secos e dos fedorentos currais.
Apesar de tudo, gosta do cheiro misterioso do mato, da terra molhada, do cerrado marcando sua alma, do odor agridoce do campo. Mas planeja continuar os estudos e melhorar de vida bem longe da atmosfera seca e árida do sertão. Ama, profundamente, sua cidade, cidade das longas e verdejantes planícies triangulinas. Discute e briga com quem falar mal de sua Nova York-sobre-o-Tijuco, a amante caipira, cidade pequena e simples, mas sua -, é dono dela por direito e afeição, ai de quem o contrariar. Gosta de comer letras, desconfiar das intenções do mundo, roça mundo.
Existe um rio na entrada de sua cidade, um córrego sujo que esconde os mistérios e os segredos das lendas e das histórias fantásticas que habitam sua infância. Aquele rio faz parte de sua existência onde sozinho, eternamente filho da solidão, pesca sonhos, nada contra as correntezas em busca de um pedaço distante da fantasia, seu coração segue as águas lamacentas do rio.
Encontrou sua essência na primeira margem do rio. No profundo do rio sujo que habita sua infância de comedor de sonhos com alma de peixe pequeno. Seu destino segue a linha sinuosa do rio, a reta torta da vida.
As paisagens de sua musa sertaneja enchem seus olhos de cores e imagens claras e nítidas. Sua alma respira verde, verde, intenso verde. Seu coração pulsa com o ritmo constante e movimentado do andar suave das nuvens sobre o imenso céu azul em seus olhos fascinados de menino - observador do mundo, comedor de imagens, colhedor de cheiros e cores -, sobre o cerrado encantado de sua terra plana, sobre a visão colorida das flores do campo, sobre o sabor das frutas cheirosas do sertão.
O paraíso está ali encravado em sua alma caipira. Come com luz a tarde grávida de poesia. Fica ali estático feito urutau tecendo os fios do destino e dos sonhos. Feito sertanejo finge a verdade do coração buscando os enigmas do sertão.
Sabe, profundamente, do poder do povo do lugar, sertanejice de capiau que corre contra a enxurrada do contrário da loucura humana. O povo do lugar tem o olhar do silêncio profundo, o profundo da alma. Ser tão mineiro, palavra, sagarana palavra.
Quando sonha sua aldeia em seu mundo de saudades, gosta de ficar sentado sobre as serras caipiranas e tijucanas tecendo os fios do destino e dos sonhos desconstruindo o olhar telúrico sobre as veredas. Busca nos altos, sonhos de Minas, nos baixos, desejos de terras, no profundo, amor de prata, amor de ouro, paisagens roseanas nuvejando os olhos de lágrimas.
A mesma cidade de luz própria de raios roubados das estrelas de um céu extremamente brilhante ofuscado pelos olhos distantes de Deus, é sua musa-guia. A Ariadne condutora de seus caminhos de versos, sonhos dourados, fios tortuosos na escuridão da vida sem rumo.
Ali está o limite da existência, ficar horas, meses, anos, séculos desmanchando a realidade dos sonhos, absorvendo paisagens mineiras, vasculhando seu mundo, um mundo às vezes pequeno onde não cabe sua enorme e reluzente cidade interior.

Do romance O Artista, inédito.
Ivo Pereira




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