Seis poemas de Ivo
Pereira do livro Rabiscos marginais
Vazio
O eco
da voz abafada
do homem,
o cio
que a mulher come
com as unhas da dor,
o asco
pegajoso
do sêmen
água sanitária
pingando
entre suas pernas,
momento tardio
de rasgar o hímen,
alucinado vazio
no frio da poesia:
Domingo à tarde.
Noturno
É noite simplesmente:
Um carvão rabisca o
ar.
E amarga a chance
De ver a lua cheia
Sugar a essência
De um poeta admirado
Pela musa negra
O ser abismado
Ser noturno
Come com os olhos
De um sonhador
A negritude da poesia
Se o poeta é parte
Integral do todo
Partícula de uma
estrela
O que pisca no infinito
É a alma de um poeta
Que virou astro
De fascinação.
Sono
Já é de madrugada
nessa noite escura e tenebrosa de agosto. A Rádio Eldorado diz que
Tóquio está nublado. Aqui em Ituiutaba chove uma chuva mansa,
dessas de fazer pobre dormir e sonhar com o destino. Num quarto ao
lado Tio Néca ouve a Rádio. O locutor comenta a vitória do
Cruzeiro. Dizem que sou um sofredor, um pobre pecador. A chuva pinga
suave. O medo acaba com o assunto. Morfeu passa correndo e bate o
sininho do sono, acariciando os cabelos enrolados do menino que
segura com medo as mãos assustadora da noite escura.
O galo não acordou a
manhã
(O dia que o poeta
raptou o grito da madrugada)
Nesse dia não nasceu a
manhã.
Somente o silêncio
acordou vazio.
Havia apenas aquela
sensação
Estranha no ar.
Deslumbramento:
O galo não cantou na
direção do dia.
Comentavam nas estradas
Que um violeiro
Já cantava aquela
melodia.
Nesse dia não nasceu a
manhã.
Ninguém mais ouviu o
som do amanhecer.
Somente o silêncio
acordou vazio.
Vida besta
Palmatórias doloridas
puxões de orelhas
joelhos no milho
cascudos de irmãos
banhos na bacia
piolhos e lêndeas
nos cabelos de miojo
Natal sem presente
Ano Novo sem festa
Férias sem viagens
pouca comida
nas panelas
enferrujadas
barrigas vazias
sem água no bairro
escola pobre
aluno medíocre
pobreza não é pecado
cidade guilhotina
sociedade de merda
rotina com esterco
roupas sujas
conga encardido
chão batido
casebre de latas
paredes frágeis
buracos no telhado
tempos de incertezas
caminhos sinuosos
momentos de tristeza
vida besta.
Novos tempos
Papéis amassados com
poemas medíocres rabiscados na solidão, quadros velhos nas paredes,
teto com teia de aranha e piso de terra batida. Estante de tábua,
livros de contos e poesias. Móveis rústicos e pesados, luz de
lamparina, nariz preto de fuligem, alma leve, tênis molhado no chão,
espelho quebrado. Pôster de uma modelo morena nua, camisas rotas e
sujas, calças desbotadas e camisetas furadas pelas traças. Violão
velho no canto calado, troféu de madeira, imagem de santa
desconhecida e baratas procurando abrigo. Ratos andando nas telhas
mofadas, música sertaneja, gente na rua rindo e conversando alto.
Cachorro latindo e vaca berrando ao longe no curral, galo anunciado a
madrugada e trovão no céu escuro. Reflexo de relâmpagos pelas
rachaduras do telhado, carro buzinando na rodovia e a tevê gritando
na vizinha. Ideias que brotam a cada instante na visão do poeta. Um
rádio anuncia a eleição de um novo presidente e o povo comemora
pelas ruas a democracia no país. Foguetes explodem com a liberdade.
Pernilongos zunem no ouvido com a falta de luz. Um grilo afina seu
reco-reco dentro do ouvido enchendo o saco da inspiração
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