quinta-feira, 15 de maio de 2014

Cinco poemas de Ivo Pereira do livro A cabeça fria do cometa azul (1980/1990)



Frases soltas


Sou um desses poetas
para todos e para ninguém.

Há muito mais mistério
entre eu e você
do que entre você e a lua.

Amar é lamber
o queijo azedo da amada
e sugar delirantemente
as pétalas da flor aberta.

A asa de todos os meus voos
é a liberdade de meu povo.

Se algum dia
alguém perguntar por mim
diz que fui uma pessoa muito feliz

Muitas pessoas
tiveram a oportunidade de me amar
e as que não fizeram isso,
não perderam muita coisa não.

O poeta tem a obrigação de expressa
todos os sentimentos possíveis.
Ele tem uma necessidade urgente
de reter o impossível.



Confesso que não vivi



eu passei a vida inteira
fugindo de um afago,
de um abraço,
da amizade,
do amor,
de Deus,
de tudo,
acho que agora
é hora de assumir a vida.



Um quadro de verão



O amarelo do trigo
confunde o raio do sol.
O azul do céu
reflete
os olhos dos versos.
Uma árvore na solidão do campo:
uma pintura impressionista
na tessitura de cores e flores.
Nasce imagens puras
na ponta dos dedos.
Uma moça na paisagem
com uma sombrinha aberta
Pingo de tinta
no pincel borrado do pintor.
Namorados abraçam a solidão.
Um corvo voa com gritos
buscando o resto
de semente no chão.
A paisagem pintada
faz van Gogh renascer
nas asas transparentes da poesia.




Lágrimas barrentas



“Vale, vida, verde, verso e viola”,
canta o violeiro
nos encontros e festivais
pelas estradas vermelhas.

Vale o rio de areia branca,
quanta dor Jequitinhonha.

O tropeiro
com entulhos de tralhas,
o berrante solitário
chamando a boiada.

A canção da terra,
a poeira nos olhos cansados,
sem ouro e nem diamante,
gente sofrida
na vida
no tempo
e na história.

O rio chora
águas sujas,
a chuva não cai
nos montes sem árvores,
a sede sufoca
a goela vazia,
lágrimas barrentas
na alma do povo.



A fascinação da cor


O interior do poeta
tem uma cor,
uma visão surreal.
A cueca zorba
tem a marca do homem magricelo
só século XX.
Abstrato é o meio da meia
no mesmo tom do conga encardido.
A calça jeans desbotada,
com tessituras desgastadas pelo tempo.
A cor é a cor da cor
da camiseta batida
que o poeta usou na juventude.
A tinta é a tinta da tinta
e a tinta é a vida da cor.
O quarto escuro
não tem a mesma cor da poesia
e nem o impressionante olhos do céu
na imensidão do infinito.
O cristal tem o brilho de suas retinas
É o brilho dos olhos da musa
quando mirram a lua no infinito.
O momento irradia um raio
que reflete a cor interior,
o interior tem cor,
mas é preciso ter olhos
para perceber as coisas etéreas.
A cor invade o mundo
e o mundo fica mais belo.
As nuvens formas figuras
na imaginação do porta
e o branco rouba a paz do céu.
As árvores pintam a natureza de esperança.
O verde rouba a essência do branco.
Cores frias de um poema solto na pintura.
O poema refletido na ansiedade da cor
vem suavemente
na cauda de um cometa azul.


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