quinta-feira, 15 de maio de 2014

Sete poemas de Ivo Pereira do livro Rabiscos marginais



Belo e sublime


É tão bom ficar aqui
Te namorando
Sentado nesse banco
De concreto
Desbotado
Nessa praça escura
E aí a gente descobre
Tantas coisas
Perdidas no interior
Dos sentimentos profundos.
Quem não percebe o mundo
Não admira as coisas da vida
Não gosta de estrelas
Não olha para o céu
E nem pra dentro de si
E quem não acredita no amor
Não suspira
E nem namora a lua.


Sonhador


Deus é um pão-duro
E escolhe seus filhos:
Sempre quando ganho
Alguma coisa Ele me tira
E eu fico na esquina
Chupando dedo,
Buscando o sonho absurdo
De publicar meu livro
Com meus primeiros
Rabiscos marginais,
Gravar minhas canções
Impressionistas e solitárias,
Ganhar sozinho na loteria
E casar-me com a loira da tevê.
Sonhar não dói
E Não paga imposto.


Asas e perfume


Um perfume
Entrou pela janela,
Era rosa a cor da rosa,
Mas não era dela.

Um perfume
Entrou pela janela,
Leve como pluma,
Bruma como neve
E pousou como ave rara.


Homenagem

a João Cabral de Melo Ne

O homem é um ser abstrato,
Em seu silêncio de engenheiro,
Na voz abafada do diplomata
Fala de bola
E penicilina
Sem medo de borrar
O desenho concreto
Traçado magicamente
Na paisagem dura do poema
Não gosta
Do apelido de poeta,
Mas é um sonhador
Que cisca as manhãs
Com os galos tecendo
Bem cedinho
Os fios dourados
Do amanhecer.


Destino e desafio


Busco a poesia
No p do papel
E paro pela vogal
Que não foi convidada
A entrar pela porta dos fundos:
Só as letras atrevidas
Formam palavras agressivas,
O poeta luta com arma branca.


Nova estação


Chove, chove e chove
Desesperadamente.
É o sinal do novo tempo.
Num dia frio de março
O outono já secou
As flores da alma.
Um silêncio absurdo
Envolve a solidão.
Deus risca seu fósforo
E muda os móveis de lugar.
A goteira pinga suavemente
Sobre a lata velha no quintal.
Chuva quando cai no telhado
Dá um sono tão bom...!
Faz pobre dormir
E sonhar com a vida.


Momento


As palavras param por entre
Os meus cariados dentes.
As ideias riscam
Os nervos da mente,
São faíscas de fogo
Procurando abrigo:
O papel está em branco

E não consigo escrever.

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