Nova York sobre o Tijuco
Planeja
realmente ir embora do lugar, pois tem sede de outras
terras, outros rumos. Buscar
sonhos, vasculhar mundos, abandonar o rio e sua Califórnia
sertaneja. A cidade cheira a esterco e solidão. O curral dos pradas
sufoca sua vida, sua alma, seus planos, seu futuro. Vive no meio
dos pastos secos e dos fedorentos currais.
Apesar
de tudo, gosta do cheiro misterioso do mato, da terra molhada, do
cerrado marcando sua alma, do odor agridoce do campo. Mas planeja
continuar os estudos e melhorar de vida bem longe da atmosfera seca e
árida do sertão. Ama, profundamente, sua cidade, cidade das
longas e verdejantes planícies triangulinas. Discute e briga com
quem falar mal de sua Nova York-sobre-o-Tijuco, a amante caipira,
cidade pequena e simples, mas sua -, é dono dela por direito e
afeição, ai de quem o contrariar. Gosta de comer letras, desconfiar
das intenções do mundo, roça mundo.
Existe
um rio na entrada de sua cidade, um córrego sujo que esconde os
mistérios e os segredos das lendas e das histórias fantásticas que
habitam sua infância. Aquele rio faz parte de sua existência onde
sozinho, eternamente filho da solidão, pesca sonhos, nada contra as
correntezas em busca de um pedaço distante da fantasia, seu coração
segue as águas lamacentas do rio.
Encontrou
sua essência na primeira margem do rio. No profundo do rio sujo que
habita sua infância de comedor de sonhos com alma de peixe pequeno.
Seu destino segue a linha sinuosa do rio, a reta torta da vida.
As
paisagens de sua musa
sertaneja enchem seus olhos de cores e imagens claras e nítidas. Sua
alma respira verde, verde, intenso verde. Seu coração pulsa com o
ritmo constante e movimentado do andar suave das nuvens sobre o
imenso céu azul em seus olhos fascinados de menino - observador do
mundo, comedor de imagens, colhedor de cheiros e cores -, sobre o
cerrado encantado de sua terra plana, sobre a visão colorida das
flores do campo, sobre o sabor das frutas cheirosas do sertão.
O
paraíso está ali encravado em sua alma caipira. Come com luz a
tarde grávida de poesia. Fica ali estático feito urutau tecendo
os fios do destino e dos sonhos. Feito sertanejo finge a verdade
do coração buscando os enigmas do sertão.
Sabe,
profundamente, do poder do povo do lugar, sertanejice de
capiau que corre contra a enxurrada do contrário da loucura humana.
O povo do lugar tem o olhar do silêncio profundo, o profundo da
alma. Ser tão mineiro, palavra, sagarana palavra.
Quando
sonha sua aldeia em seu mundo de saudades, gosta de ficar sentado
sobre as serras caipiranas e tijucanas tecendo os fios do destino e
dos sonhos desconstruindo o olhar telúrico sobre as veredas. Busca
nos altos, sonhos de Minas, nos baixos, desejos de terras, no
profundo, amor de prata, amor de ouro, paisagens roseanas nuvejando
os olhos de lágrimas.
A
mesma cidade de luz própria
de raios roubados das estrelas de um céu extremamente brilhante
ofuscado pelos olhos distantes de Deus, é sua musa-guia. A Ariadne
condutora de seus caminhos de versos, sonhos dourados, fios tortuosos
na escuridão da vida sem rumo.
Ali
está o limite da existência, ficar horas, meses, anos, séculos
desmanchando a realidade dos sonhos, absorvendo paisagens mineiras,
vasculhando seu mundo, um mundo às vezes pequeno onde não cabe sua
enorme e reluzente cidade interior.
Do romance O Artista, inédito.
Ivo Pereira
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