quinta-feira, 15 de maio de 2014

Sete poemas de Ivo Pereira do livro Rabiscos marginais (1974/1984)


Poesia


Poesia:
Uma palavra presa
Na garganta:
Espinho de peixe
Da ganância
De comer
Versos soltos.


Era


A minha cueca vermelha
No arame rasgada pelo tempo
Mostra o triste sofrimento
Do homem do século XX.

A minha existência perdida
Pendurada no varal da vida
Revela o famigerado momento
De um ser com medo do mundo.


Grito


Todos os meus poemas
Rabiscos mofados
E retratos de um tempo
E todas as minhas canções
Solitárias e impressionistas
Nasceram de uma profunda solidão.
O homem não quer
Morrer no anonimato.


Cerimonial


Posta a mesa
Decorada com dor:
Taças, pratos,
Olhos de um sonhador,
Sonhos de um pecador.
Garfos e facas
No altar da vida:
Cortam-se os pulsos
E bebem-se vinhos,
O sangue dos homens.


Bostagem


Aqui jaz um poema
Que o poeta cagou
Pacientemente
No papel amassado.

Aqui jaz um poema
Chapiscado
Com restos da podridão
De um ser imundo
Que suja o mundo.

Existe poema que é uma merda,
O poema mole é uma merda dura,
Uma merda qualquer é um poema,
Existe poema que é uma merda
E o poeta – um fingidor -
Não impede a tragédia.


Sem título


Espaço livre
A quem quiser
Escrever um poema
Sem distinção de cor.
Porque o poeta
Não carrega rancor
Em sua frágil escrita
Aceita as críticas,
Não chora e nem grita.


Guerrilheiro


O poeta
É aquele incansável marciano
Que tenta de todas as maneiras
Invadir a poesia, explorar as letras,
Vasculhar o papel e dominar o país
A arma branca
Que o poeta usa
Não fere a carne do homem
Apenas incomoda
Sua mente vazia
Que não percebe nada além
De seu próprio umbigo
A poesia não quer mexer
Com seus sentimentos
Quer atingir dolorosamente
Seus pensamentos.


Poema


Tento captar
O irreal da fantasia,
Distante da percepção,
Mas me perco
Ante a falsidade
Do sonho.

Uma vontade
De sugar algo que não está
Impregnado no papel
Mas a folha está branco
E o papel amassado
Com versos rabiscados
No absurdo vazio do silêncio.


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